Wednesday, October 2, 2013

441.


lançamento do livro
Abismo | Abutre
de Van Calhou!

6º volume da colecção O Rato da Europa.
A ocorrência será acompanhada por uma performance dos autores
e terá lugar no próximo
5 Outubro 2013 às 17h00
Livraria Pinto dos Santos
Rua de Santo António, 137
Guimarães


Ouve-se dizer que somos prisioneiros da linguagem, de um comércio de sentidos reduzidos à moeda única das ideias-feitas. Vender pelo preço que se comprou costuma ser um mau negócio, porque quando nada se ganha sempre se perde alguma coisa. Perde-se a alternativa que nas palavras primeiro se insinua ou, dito por outras palavras, sufoca-se na mesmidade a possibilidade de inventar outra coisa. Vivemos numa época em que quem manda e quem se recusa a obedecer usam a mesma linguagem. Este nivelamento pareceria próprio da democracia se não indiciasse o esgotamento de todos os argumentos. Em tempos como estes, dita o bom-senso que não se atire a moeda ao ar por ser do senso comum que ou sairá cara ou coroa: uma alternativa entre isto e aquilo que é uma falsa alternativa por dificilmente conduzir a outra coisa senão ao bom-senso, sendo do senso comum que a moeda dificilmente cairá na vertical. Nem cara nem coroa, porque cara e coroa ao mesmo tempo: isto e aquilo sempre foram as faces da mesma moeda.
Feitas as contas, não sabemos se a linguagem é prisioneira da lógica ou se é a lógica que anda às voltas no aquário da linguagem. Uma espelha a outra como a doença das palavras e a doença do pensamento uma na outra se reflectem. Atingida por esta maleita, a palavra povo foi uma das que mais sofridamente morreu no último século. Nestes tempos em que tanto se fala de crise, é urgente voltar a submeter a linguagem à crise de si mesma e à purga do sentido. Não um sentido último, mas o sentido paradisíaco do sem-sentido. Assim se faz neste livro de Van Calhou.
Colocar em crise o sentido da crise é passar um cheque em branco à potência geradora das águas turvas que escrevem o seu percurso sem transcrever coisa nenhuma. Dois são os perigos deste exercício: o primeiro, é que se faça luz e que a luz, tendo sido feita, puxe da originalidade de tudo confundir por tudo pretender separar; o segundo, é que a moeda lançada ao ar caia no aquário como os patacos que os turistas lançam às fontes na expectativa feliz de regressar ao mesmo lugar. Gravemos na pedra o absurdo, porque só ele há-de salvar o que não pode ser salvo.

António Preto