segmentos
inauguração | 13 Novembro | 22h00
concerto_instalação
para violoncelo, objectos e electrónica | 13 Novembro | 22h30
14 Novembro — 6 Dezembro, 2014
Francisco Fino Projects
no | at
Appleton Square
Rua Acácio Paiva 27
1700-004 Lisboa
Medusa: Violoncelo Explodido de Ricardo Jacinto: uma janela aural sobre os mecanismos da música. (english version below)
A performance de Ricardo Jacinto (Medusa: Violoncelo Explodido) é uma manifestação explícita de uma verdade habitualmente silenciosa sobre a relação entre um intérprete, um instrumento musical e um ambiente de execução – de que as fronteiras entre estas entidades aparentemente distintas são, de facto, mutáveis. Diz-se que Jascha Heifetz, o lendário violinista, em resposta ao comentário de um fã de que o seu Stradivarius tinha um som maravilhoso, encostou o ouvido ao violino e respondeu “mas não ouço nada!” Esta pode ser apenas uma historieta que se conta, mas ilustra bem que é da interação precisa entre o intérprete e o instrumento – da intensidade do toque pessoal e da resposta à resistência e às potencialidades do sistema físico que é o instrumento – que se torna possível a emergência de um som plausível, convincente e belo, em boa verdade, a emergência de qualquer som. Além disso, o contexto no qual ocorre esta recusa íntima de fronteiras, tanto sociais como acústicas, adiciona mais uma camada complexa de interações ao conjunto: o ambiente no qual algo acontece contribui significativamente para o som que é produzido, a forma como este se projeta no espaço, e isto, por sua vez, devolve um feedback sensorial ao intérprete informando-o a cada momento nas suas decisões.
Ricardo Jacinto expõe esta verdade “escondida” por meio da amplificação, do exagero e da projeção. Transdutores colocados no interior do violoncelo revelam o som característico de pontos precisos no interior da estrutura física do instrumento, distribuindo estes sinais subtilmente diferentes em pontos externos precisos localizados no espaço arquitetónico da performance – exteriorizando e exagerando a separação espacial da estrutura interna secreta do violoncelo. Os pontos no interior do violoncelo que Jacinto decidiu “explodir” para o interior do espaço são cuidadosamente escolhidos em função das versões, subtilmente distintas, do som do violoncelo. Enquanto intérprete e improvisador, Jacinto conhece e chama a nossa atenção para o som das cordas que tocam no espelho de ébano, o sentimento de tensão aumentada e a “nasalidade” em torno do cavalete, o som mais suave e refletido no interior dos Cs do corpo do instrumento. Ao inscrever cada gesto feito sobre o violoncelo de forma ampliada na sala, os sons são mapeados através do espaço da performance e as suas diferenças destacadas, de modo subtil, frequentemente por tratamentos digitais, submergindo a audiência num novo e “virtual” corpo do instrumento.
Ricardo Jacinto não se limita a “virar o seu instrumento do avesso”, expondo os mais ínfimos detalhes da sua técnica. Enquanto arquiteto experiente, detém igualmente uma consciência aguda do potencial geométrico e dramático do espaço no qual atua, podendo inclusivamente dizer-se que, num sentido literal, “toca (n)o espaço”. Este é um facto significante para a sua audiência, dado que todas as nossas experiências interpessoais são informadas pela negociação da distância. O antropólogo Edward Hall introduziu (na década de 1960) a noção de “proxémica” – num mapeamento dos códigos de conduta tácitos que determinam se as nossas interações conotam uma relação íntima, local, social ou ambiental (com pessoas, sons, ou objetos). A manipulação que Ricardo Jacinto opera sobre estas várias distâncias amplia a nossa perceção da relação entre a tatilidade e a audição.
Em consequência, a performance levanta questões sobre a territorialidade, sobre o espaço público e o espaço privado. Ao expor de forma tão implacável a relação entre um corpo e um instrumento, e ao incorporar os corpos do público no resultado, Ricardo Jacinto questiona os limites do seu corpo. Evidentemente, estes limites são transcendidos aqui através da tecnologia, mas, pergunta-nos o artista, não é isto que a música sempre faz? Não existirá sempre uma transdução entre o meu corpo, enquanto executante, e o vosso – enquanto audiência, que é a própria condição da música? As impressões dos meus dedos, empurrando esta corda esticada, neste ponto específico e desta forma particular, ressoam em simpatia no interior do vosso sistema nervoso autónomo. E, à medida que me movo na direção do registo alto, por sobre a corda, uma parte da dificuldade de o fazer, da sensação de que estamos perante um sistema físico e acústico que se aproxima dos limites da sua viabilidade, transgride as fronteiras físicas entre os indivíduos, suspendendo-as temporariamente – tocando-vos a uma variedade de distâncias – que são, por vezes, íntimas, outras menos íntimas.
Esta permeabilidade das fronteiras entre os indivíduos ecoa a permeabilidade, referida inicialmente, entre o intérprete, o instrumento e o ambiente. A permeabilidade, que é a condição da música, é também a condição do ser-se humano. Ao criarem música, os seres humanos encontram um instrumento para o reconhecimento não apropriativo da alteridade - a suspensão das fronteiras do eu. As qualidades de empatia e curiosidade que nos tornam humanos são reforçadas. Assim, não causa surpresa que o “violoncelo explodido” adquira uma outra vida, afastada da sua orientação site-specific, na música de câmara de improviso, na qual grupos de músicos negoceiam e renegoceiam as fronteiras e as individualidades numa base instantânea.
Neste caso, porém, a performance precede e alimenta uma instalação que perdura por mais ou menos um mês depois do evento inicial. Os gestos físicos da performance inicial ao vivo são captados e beneficiam de uma “segunda vida” – ocupando o espaço arquitetónico para lá da presença do intérprete e ampliando o material musical num espaço temporal diferente. Talvez a densidade dos eventos musicais se desvaneça e a textura se torne cada vez mais esparsa à medida que a instalação opera para além do evento da performance ao vivo, num eco consciente da decomposição gradual de todos os sons com o tempo… Mas com um sistema digital investido com alguns aspetos de uma vida própria, quem sabe qual será o resultado? Existe uma qualidade de emergência nisto tudo, mais do que de desígnio, que trai o estatuto de Ricardo Jacinto enquanto improvisador e designer!
Simon Waters
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Ricardo Jacinto’s Medusa: Exploded Cello: an aural window into the mechanisms of music.
Ricardo Jacinto’s performance (Medusa: Exploded Cello) is an explicit manifestation of a usually silent truth about the relationship between a player, a musical instrument, and a performance environment, which is that the boundaries between these three apparently separate entities are in fact mutable. It may be a folk tale that Jascha Heifetz,, the legendary violinist, when told by a fan that his Stradivarius sounded wonderful, put his ear to the violin and replied “it doesn’t sound at all”, but such a tale illustrates well that it is the precise interaction between player and instrument - the intensely personal touch and response to the resistances and affordances of the physical system of the instrument - which makes a sound plausible, convincing and beautiful, indeed which makes sound at all. And the context in which this intimate refusal of boundaries takes place, both socially and acoustically, adds another complex layer of interactions to the mix: The environment in which something happens contributes significantly to the sound that is made, to the manner in which it projects into and around the space, and this in turn forms sensory feedback for the player, informing his or her moment-to-moment decisions.
Jacinto lays bare this ‘hidden’ truth by amplification, exaggeration and projection. Transducers within the cello disclose the characteristic sound of precise points within the instrument’s physical structure and distribute these subtly different signals to precise external points in the architectural space of the performance - externalizing and exaggerating the spatial separation of the cello’s secret inner structure. The points within the cello which Jacinto chooses to ‘explode’ into the room are chosen with care for their already subtly distinct versions of the cello’s sound. As an experienced performer and improviser Jacinto is aware of and draws our attention to the sound of strings touching the ebony of the fingerboard, the sense of enhanced tension and ‘nasality’ around the bridge, the softer and more reflected sound within the bouts of the instrument’s body. These are mapped across the space of the performance area, their differences often enhanced subtly by digital treatments, immersing the audience in a new ‘virtual’ instrument body. Every gesture made on the cello is written in larger form across the room.
And Jacinto is not only ‘turning his instrument inside out’ and laying bare the smallest details of his technique. As a trained architect he also has a heightened awareness of the geometric and dramatic potentials of the space in which he is performing, and is, in a very real sense, ‘playing the room’. This is significant for his audience in that all of our inter-personal experiences are informed by the negotiation of distance. The anthropologist Edward Hall introduced (in the 1960s) the notion of ‘proxemics’ - codifying the unwritten codes of conduct which determine whether our interactions connote an intimate, a local, a social or an environmental relationship (with people, with sounds, with objects). Jacinto’s manipulation of these various distances enhances our sense of the relationship between tactility and hearing.
By implication the performance asks questions about territory, about public and private space. By exposing the relationship between one body and one instrument so ruthlessly, but incorporating the bodies of the audience within the result, Jacinto asks what are the limits of his body. Of course these limits are transcended here through technology, but, he asks us, isn’t this what music always does? Isn’t there always a transduction between my body, as a performer, and yours - as a listener, which is the condition of music. Some traces of my fingers, depressing this taut string, at this particular point, and in this particular way, resonate sympathetically within your autonomic nervous system. And as I move into the high register on the top string, something of the difficulty of doing so, of the sense that this is an acoustic and physical system approaching the upper limits of its viability, transgresses the merely physical boundaries between individuals, temporarily suspending them - touching you at a variety of distances - some intimate, some less so.
This permeability of boundaries between individuals echoes the permeability with which we began - between performer, instrument, and environment. The permeability which is the condition of music is also a condition of being human. In music-making human beings find a crucible for a non-appropriative acknowledgement of otherness - a suspension of the boundaries of the self. The qualities of empathy and inquisitiveness which make us human are enhanced. So it’s no surprise that the ‘exploded cello’ has another life, away from its site-specific orientation, in improvised ensemble music, where groups of musicians negotiate and renegotiate boundaries and selfhoods on a moment-by-moment basis.
In this case however, the performance precedes and feeds into an installation which lasts approximately a month after the initial event. The physical gestures of the live performance are captured and have an ‘after-life’ - occupying the architectural space beyond the presence of the player, and extending the musical material into a different time frame. Perhaps the density of musical events will lessen and the texture become sparser the longer the installation operates beyond the live performed event, in a conscious echo of the gradual decay of all sounds in time… But with a digital system that is invested with some aspects of a life of its own, who knows what the eventual result will be. There’s a quality of emergence, rather than design, about this, which betrays Jacinto’s status as an improviser as well as a designer!
Simon Waters