O Poder da Ignorância – Resposta ao Senhor José Pacheco Pereira
Lisboa, 26 de Julho de 2010Ex.mo Senhor Pacheco Pereira,
Começo por lamentar o desconhecimento das obras que são produzidas pelos artistas portugueses da parte do Senhor "Historiador", "Professor" Universitário e "Político" José Pacheco Pereira. Como o nosso circuito é fechado, como afirma, sabemos bem quem é o nosso público, quem vê os nossos espectáculos, exposições, concertos, e, por isso, sabemos que o Senhor Pacheco Pereira não está incluído na pequena percentagem dos contribuintes que assistem ao nosso trabalho. Apesar de este facto ser admitido pelo Senhor Pacheco Pereira nos seus textos - "Não estou a falar de nada que tenha visto e por isso não é o espectáculo em si que comento, que até pode ser genial, mas da sua apresentação ao público potencial." MAIS EXEMPLOS DE “CULTURALÊS”, Revista Sábado – não impede que seja um triste argumento, sem interesse, e que o torne numa desculpa aceitável, logo pertinente.
Gostaria que soubesse que a arte infelizmente está cada vez mais direccionada para encarnar um papel que não lhe pertence; o da educação. Precisamente porque os artistas, produtores, curadores, programadores, procuram ir ao encontro de um público que nunca existiu e que não irá existir se não houver um trabalho de educação, como em qualquer outra área ou situação. Todos os esforços que se fazem para 'criar' e 'educar' novos públicos, para integrar a 'comunidade' através da arte, castram a liberdade de se criar sem querer ensinar. Sim, porque a arte não é obrigatoriamente didáctica, nem tem que ter esse cunho. Por isso é que há artistas e por isso é que há professores.
O 'comum dos portugueses' pode aprender todas as regras de um jogo de futebol, saber quem são os jogadores, os árbitros, os treinadores, decorarem as cores das camisolas porque isso lhes é ensinado, porque está à sua disposição e porque não exige grande esforço mental. No entanto se o 'comum dos portugueses' quiser aprender medicina ou história, talvez tenha que aprender bastante mais para compreender como se faz uma operação ou como se escreve um livro. Com a arte passa-se o mesmo. Não basta ir ao museu e dizer que não se compreende, não lhe parece Senhor Pacheco Pereira? Talvez se o 'comum dos portugueses' se interessasse por arte e decidisse abrir uns livros que não sejam só os do Picasso e os do Dali que saem numas colecções e que servem para encher a estante, talvez se no sétimo ano uma professora perdesse mais do que uma aula a falar sobre o Da Vinci do que estar a obrigar os alunos a decorar os nomes das colunas Dórica, Jónica e Coríntia, talvez se houvesse um investimento a sério numa educação a sério, o 'comum dos portugueses' pudesse ler mais do que 'A Bola' ou 'O Crime'. Deixe-me dizer-lhe que quando as avaliações que fazem àquilo que produzimos são ignorantes, arrogantes e com falta de humildade, serão, de certo, vulgares e banais.
Parece-me também que se os contribuintes querem "saber onde e com quem gastam" o seu dinheiro devem saber onde encontrar aqueles que contribuem também e que para além disso, criam. Se os contribuintes quiserem comprar um carro, saberão com certeza encontrar um stand de automóveis.
Umas das aspas no seu texto O “CULTURALÊS” E O PODER DA AUTO-CLASSIFICAÇÃO – e posso desde já exprimir a minha tristeza relativamente a estes termos inventados para se verem repetidos pelos jornalistas e aguçar o ego a quem os inventa – enquadram a palavra performance; eu sou performer, ou seja, faço performance. A performance existe, há também livros sobre performance traduzidos para português. Se o meu trabalho lhe é desconhecido é porque certamente não lhe interessa conhecer, ou então porque não abre as páginas das agendas culturais ou então não deve saber navegar na internet. Sou um artista, não sou um político, logo não tenho um cartaz com a minha cara num outdoor, não quero ter discursos paternalistas e corporativos, e não estou à espera que votem em mim. Garanto-lhe que não estarei à espera de alguém que não vê e não conhece e não compreende e que fala com arrogância sobre o que faço para determinar o meu valor.
Repito, sou um artista; não sou uma plataforma, com ou sem aspas, existo, independentemente de ter ou não projecção mediática como todos os outros que o Senhor Pacheco Pereira menciona na sua "crónica". Se apenas conhece o Teatro da Comuna, o Teatro da Cornucópia e os Artistas Unidos é porque não deve sair da Marmeleira, no mínimo, desde os anos 80.
Penso que é caso para se dizer: tanto político, tanto cronista, nós temos por metro quadrado. (Nós quem?) Mas ninguém lhes toca.
Miguel Bonneville
Podem ler-se as "crónicas" do Senhor Pacheco Pereira aqui:
http://abrupto.blogspot.co
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